domingo, 28 de outubro de 2012

O QUE MAMÃE ME ENSINOU.



Esqueçam os tratados sociológicos,as intrincadas teias da sociedade patriarcal,esqueçam os séculos de opressão à mulher impostos por uma dinâmica que teme o útero.Aos quinze anos descobri,o machismo vem da mamãe!
Eu era uma adolescente bem típica numas coisas,mas muito estranha em outras.Não sabia andar em bando,mas aonde chegava logo estava rodeada de gente,vivia apaixonada pelo professor de matemática,mas não sabia nem fazer conta de dividir,detestava escola,mas ler era comigo mesmo.
Foi por conta da minha paixão pela leitura que caiu em minhas mãos um livro chamado “Mr. Goodbar” de Judith Rossner.Fui lendo e me apaixonando pela personagem,Thereza  Dunn.
 Aqui cabe um parêntese para um breve esclarecimento: Não me lembro quando isto começou,mas desde muito pequena tinha mania de ficar observando as pessoas,como se vestiam,como falavam,se mexiam ,arrumavam o cabelo. Em seguida inventava histórias para estas pessoas,me vestia feito elas e passava a viver as histórias que criava. Por um tempo eu era uma personagem,vinte e quatro horas por dia encarnada na vida de outrem.
Pois bem,virei Thereza. Theresa Dunn, desde menina teve seus próprios problemas, teve poliomelite, decorrente disso acaba tendo uma escoliose é submetida a uma cirurgia na coluna, o que lhe deixa com uma enorme cicatriz e faz com que ela ande de forma meio diferente, o que a constrange muito quando alguém repara e tem um enorme complexo de inferioridade, que se manifesta principalmente quando ela está perto de sua irmã Katherine.
Ao longo da vida, Theresa vai lidando com seus sentimentos, tristezas e carências, demônios que ela exorcisa numa via cruces por bares da cidade.
 O bar não era exatamente um universo desconhecido para mim,frequentava-o com meu pai que adorava um boteco e uma roda de samba e observadora como era,sabia como o lugar funcionava,como pensavam aquelas pessoas e o que eu tinha que fazer para transitar ali do jeito que queria.
Vestida como Thereza,com um leve mancar e livro debaixo do braço,escolhi um “Pé Sujo” no Estácio para viver minha esquizofrenia.
Na primeira vez que entrei,o susto de quem frequentava foi grande. Me mantive firme,meu corpo já pronto,apesar da idade,me garantia a veracidade da personagem e o talento para doida fazia a performance digna do Oscar.  
Assim foi indo,tinha uma folga,corria para o boteco. Os olhares curiosos aos poucos foram perdendo e estranheza e puxando assunto aqui e ali. Eu,como boa “atriz”, estudava a personagem e me cercava de informações para manter o papo plausível.Reportagens sobre prostitutas,biografias de cantoras de blues,eram parte do meu material escolar.
Lembra das rodas de samba que ia com meu pai?Grande ajuda porque não tem bar sem violão e cavaquinho,além disso minhas cantigas de ninar,também entoadas por meu pai,iam de Carlos Galhardo à Tom Jobim passando por Maysa,Cartola,Dorival Caymmi e vai por aí,o que foi ótimo para impressionar e me aproximar de todos ali.
Eu estava feliz feito “pinto no lixo” até minha mãe descobrir.
Horrorizada com minha audácia,ela esbravejava que eu estudava em colégio de freiras,aprendia bordado,etiqueta e postura,piano e Frances,não tinha cabimento eu frequentar botequim. Eu,entre sonsa e realmente intrigada,perguntava porque e a resposta era que aquilo não era lugar para moças direitas,que o ambiente era pernicioso e que ninguém ali prestava para nada.
Eu tentava argumentar que tinha conhecido pessoas ótimas,que nunca ninguém ali havia me faltado com o respeito,que apenas cantávamos e contávamos histórias da vida,mas não adiantava.Por fim,cansada de tanta briga, sem nenhuma justificativa que me fizesse ao menos ponderar a respeito, eu perguntei a ela porque então um lugar tão nefasto podia ser frequentado por homens,em geral e,especificamente por meu pai,mas não por mim e num berro que me ecoa até hoje nos ouvidos ela decretou:  “-PORQUE É LUGAR DE HOMEM E DE PUTA!!!”
Conclusão,o livro que me levou à viagem para o primeiro “Pé Sujo” sozinha,foi parar no lixo todo picotado e mamãe me ensinou o que era machismo.
Hoje,muitos botecos depois,tenho um filho homem e com todas as minhas forças tentei ensinar a ele que homens e mulheres só são diferentes,mas ,não só podem,como devem transitar pelos mesmos universos porque a troca é o que conta e olhares diferentes produzem encontros interessantes.

 De bar em bar (Looking for Mr. Goodbar)


2 comentários: