sexta-feira, 30 de novembro de 2012

uma história "inventada"



Já que revirei o baú de lembranças para contar a um amigo minhas aventuras adolescentes, aqui vai mais uma para outro “curioso” de plantão.
Essa é uma história que não existe,cujos personagens juram de pé junto que ela nunca aconteceu,mas estávamos todos lá e eu também. Uma história de quando dois universos,paralelos e determinantes na minha vida,se encontraram por acaso.
1970, ano de copa do mundo,tempos esquisitos onde coisas estranhas  atravessavam minha infância. Já naquela época,futebol na minha casa era,para mim e meu pai,assunto sagrado,encontro imperdível,momento sempre especial e diferentemente de hoje,naquele tempo,Seleção Brasileira  era personificação divina.
Eu e os amiguinhos do prédio onde morava,no Largo dos Leões,ficávamos horas picando papel,fazendo serpentinas de papel higiênico furtados da dispensa ,para na hora da entrada em campo ou do grito de gol,inundarmos as ruas e,claro,a sala de casa. Tínhamos todo um esquema montado onde cada jogo era visto na casa de um do “bando de tãtãs” e no dia seguinte,a sala da vez era a minha.
Como eu disse,eram tempos estranhos. Vez por outra,no meio da madrugada,minha mãe me acordava e me levando para sua cama,avisava que um tio ou tia havia chegado de viagem e precisava de um lugar para dormir por que logo partiria. Eu,com quatro,cinco anos,olhava tudo aquilo e não entendia direito o que acontecia. Na família dos meus amigos,quando parentes vinham visitar,havia festa,almoço prolongado,passeios à lugares diferentes,mas lá em casa, era um desassossego. Minha mãe,andava para lá e para cá esfregando as mãos e sorrindo de um jeito que assustava;meu pai fumava tanto que todo o apartamento,minúsculo como era,se enchia com uma fumaceira que ardia os olhos e não saia da janela que sempre ficava meio cerrada. Ninguém podia ir lá em casa,eu não podia contar à ninguém que trancado na parte da sala com portas de correr,que me servia de quarto,tinha um parente que eu quase nunca via o rosto e que de repente sumiria.
Depois de verificar na cozinha se tudo estava pronto para o dia seguinte,sucos,biscoito e pipoca,fui feliz da vida dormir. Na madrugada eu acordei com minha mãe me chamando. Eu queria morrer,não naquele dia,era a minha vez de dar a festa,de trazer meus amigos,eu tinha sonhado com aquilo a semana inteira...não era justo. Tentei argumentar,perguntei porque essa droga de tio não podia ficar na casa de outra pessoa só até o jogo acabar... não houve jeito e fui para a cama dos meus pais marchando de raiva,com os olhos fechados porque esse era o “trato”.
Na manhã seguinte levantei com uma tristeza enorme,me lembro que chorava e pedia ao meu pai para deixar que meus amigos viessem,...nada feito. Com a cara inchada e vermelha,peguei os “comes e bebes” e levei até a casa da Dorinha,próxima na fila à “receber  a Seleção”. Disse que minha mãe estava doente e que eu teria que ficar em casa para cuidar dela e da minha irmã pequena,por isso o jogo não poderia ser lá.
 Na hora do jogo,com muita raiva,me sentei sozinha na frente da TV. Meu pai se sentou ao meu lado,me passou os braços nos ombros,me deu um beijo na cabeça e se desculpou.
Aos poucos,o jogo foi caminhando e a raiva desaparecendo. Minha mãe trancada no quarto com minha irmã,meu pai ia e vinha no caminho da janela e eu com um olho no jogo e outro naquela porta fechada do meu “cantinho”.Nunca tinha tido curiosidade de olhar quem estava ali,mas naquele dia um “bichinho” me comia por dentro e aproveitei uma hora em que ninguém estava prestando atenção e entrei com o coração aos pulos.
O homem encolhido na minha cama,tinha um cheiro horrível,um machucado na cabeça,as mãos inchadas e respirava fazendo barulho. Fiquei ali,parada olhando e quando ele abriu os olhos eu quase caí para traz. Ele sorriu,e perguntou meu nome,me chamou para perto,perguntou o que eu estava fazendo. Respondi . Ele me disse que também gostava de futebol,perguntou quanto estava o jogo .Comecei a contar à ele a saga da minha frustração e no meio da história da minha festa cancelada,meu pai me puxou pelos cabelos e com uma bela bronca me tirou dalí.
Nunca esqueci o rosto daquele homem e a partir daí comecei a prestar mais atenção no que acontecia a minha volta. Ele era bom e estava tão machucado,eu queria entender porque.
O Brasil foi Tri, Tv a cores e ao vivo virou obsoleta,a ditatudura militar destruiu o país,mas acabou e eu,continuo não entendendo nada.
Muitos anos  depois,na volta de um exilado amigo,fui com meu pai ao aeroporto e no meio daquela festa toda,junto com nosso amigo,um homem me olhou,sorriu e perguntou:
_ E aí,continua gostando de futebol?
Antes que eu pudesse responder,meu pai deu um jeito de me desviar a atenção e até hoje eu não sei quem era.

 


domingo, 28 de outubro de 2012

O QUE MAMÃE ME ENSINOU.



Esqueçam os tratados sociológicos,as intrincadas teias da sociedade patriarcal,esqueçam os séculos de opressão à mulher impostos por uma dinâmica que teme o útero.Aos quinze anos descobri,o machismo vem da mamãe!
Eu era uma adolescente bem típica numas coisas,mas muito estranha em outras.Não sabia andar em bando,mas aonde chegava logo estava rodeada de gente,vivia apaixonada pelo professor de matemática,mas não sabia nem fazer conta de dividir,detestava escola,mas ler era comigo mesmo.
Foi por conta da minha paixão pela leitura que caiu em minhas mãos um livro chamado “Mr. Goodbar” de Judith Rossner.Fui lendo e me apaixonando pela personagem,Thereza  Dunn.
 Aqui cabe um parêntese para um breve esclarecimento: Não me lembro quando isto começou,mas desde muito pequena tinha mania de ficar observando as pessoas,como se vestiam,como falavam,se mexiam ,arrumavam o cabelo. Em seguida inventava histórias para estas pessoas,me vestia feito elas e passava a viver as histórias que criava. Por um tempo eu era uma personagem,vinte e quatro horas por dia encarnada na vida de outrem.
Pois bem,virei Thereza. Theresa Dunn, desde menina teve seus próprios problemas, teve poliomelite, decorrente disso acaba tendo uma escoliose é submetida a uma cirurgia na coluna, o que lhe deixa com uma enorme cicatriz e faz com que ela ande de forma meio diferente, o que a constrange muito quando alguém repara e tem um enorme complexo de inferioridade, que se manifesta principalmente quando ela está perto de sua irmã Katherine.
Ao longo da vida, Theresa vai lidando com seus sentimentos, tristezas e carências, demônios que ela exorcisa numa via cruces por bares da cidade.
 O bar não era exatamente um universo desconhecido para mim,frequentava-o com meu pai que adorava um boteco e uma roda de samba e observadora como era,sabia como o lugar funcionava,como pensavam aquelas pessoas e o que eu tinha que fazer para transitar ali do jeito que queria.
Vestida como Thereza,com um leve mancar e livro debaixo do braço,escolhi um “Pé Sujo” no Estácio para viver minha esquizofrenia.
Na primeira vez que entrei,o susto de quem frequentava foi grande. Me mantive firme,meu corpo já pronto,apesar da idade,me garantia a veracidade da personagem e o talento para doida fazia a performance digna do Oscar.  
Assim foi indo,tinha uma folga,corria para o boteco. Os olhares curiosos aos poucos foram perdendo e estranheza e puxando assunto aqui e ali. Eu,como boa “atriz”, estudava a personagem e me cercava de informações para manter o papo plausível.Reportagens sobre prostitutas,biografias de cantoras de blues,eram parte do meu material escolar.
Lembra das rodas de samba que ia com meu pai?Grande ajuda porque não tem bar sem violão e cavaquinho,além disso minhas cantigas de ninar,também entoadas por meu pai,iam de Carlos Galhardo à Tom Jobim passando por Maysa,Cartola,Dorival Caymmi e vai por aí,o que foi ótimo para impressionar e me aproximar de todos ali.
Eu estava feliz feito “pinto no lixo” até minha mãe descobrir.
Horrorizada com minha audácia,ela esbravejava que eu estudava em colégio de freiras,aprendia bordado,etiqueta e postura,piano e Frances,não tinha cabimento eu frequentar botequim. Eu,entre sonsa e realmente intrigada,perguntava porque e a resposta era que aquilo não era lugar para moças direitas,que o ambiente era pernicioso e que ninguém ali prestava para nada.
Eu tentava argumentar que tinha conhecido pessoas ótimas,que nunca ninguém ali havia me faltado com o respeito,que apenas cantávamos e contávamos histórias da vida,mas não adiantava.Por fim,cansada de tanta briga, sem nenhuma justificativa que me fizesse ao menos ponderar a respeito, eu perguntei a ela porque então um lugar tão nefasto podia ser frequentado por homens,em geral e,especificamente por meu pai,mas não por mim e num berro que me ecoa até hoje nos ouvidos ela decretou:  “-PORQUE É LUGAR DE HOMEM E DE PUTA!!!”
Conclusão,o livro que me levou à viagem para o primeiro “Pé Sujo” sozinha,foi parar no lixo todo picotado e mamãe me ensinou o que era machismo.
Hoje,muitos botecos depois,tenho um filho homem e com todas as minhas forças tentei ensinar a ele que homens e mulheres só são diferentes,mas ,não só podem,como devem transitar pelos mesmos universos porque a troca é o que conta e olhares diferentes produzem encontros interessantes.

 De bar em bar (Looking for Mr. Goodbar)


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

ENTRE EDEN E CARMINHA



A novela faz parte da vida do brasileiro desde o rádio, ocupou e ocupa um enorme espaço na rotina de milhões de vidas país a fora e houve um tempo em que ela era somente entretenimento.
Universos distantes da realidade e sem nenhuma conexão com nossas problemáticas, encantavam os que não perdiam um capítulo. Mocinhas sonhadoras, príncipes de capa e espada, vilões terríveis e tramas mirabolantes, serviam para distrair e retirar da dura rotina o cidadão médio que não tinha, fora dalí,outra forma de sonhar.
Acusada, com razão, de alienar e impedir a percepção da realidade, durante anos a novela foi renegada ao plano de subcultura e alvo das críticas de intelectuais inconformados com a absoluta falta de senso crítico dos telespectadores.
Lembro-me da minha infância povoada de novelas que me eram proibidas e, por isso, mais desejadas, das noites que passava com a televisão ligada sem som, em pé na cama com a coberta por cima de mim e da TV para que não se visse a luz, na tentativa de não perder o capítulo de Irmãos Coragem ou Selva de Pedra e dos inúmeros castigos quando pega no ”delito”.
Os tempos mudaram e,claro,a novela também. Hoje, novela é janela, é palco de debates de situações que estão no dia a dia, levanta questionamentos que povoam a realidade e, de quebra, traz, mesmo que de forma superficial, elementos de culturas diferentes que de outra maneira não seria conhecida pela maioria dos brasileiros.
A novela não perdeu seu caráter de obra ficcional e, portanto, recheada de personagens caricatos, visões maniqueístas, ilusões românticas, mas vai longe à época em que sua função era só a da fantasia, ou inconsequente, ou a serviço da alienação orquestrada. O mundo não comporta mais a ingênua manipulação e o alcance das informações não mais é restrito a um único veículo.
Se ainda existem pessoas que se deixam enredar pela rasa e literal visão dos fatos?Claro, mas não é a novela, nem a responsável, nem a maior incentivadora deste comportamento.
Quem, por opção ou por falta dela, enxerga o mundo em apenas duas dimensões, se manterá apartado da prática da cidadania, alheio a intervenção nas relações sociais, políticas e econômicas com ou sem audiência as novelas, ou nunca vimos alguém interpretando, por exemplo, a bíblia de forma literal?Fato alias, que mesmo sem concordar deve-se respeitar.
Depois, combinemos, guardadas as devidas proporções, até os grandes clássicos da literatura mundial, podem servir para arrastar da realidade quem, fora dela, encontra seu lugar.
Gosto, não se discute, mas quem ainda vocifera contra as novelas, por pura hipocrisia intelectualóide, mesmo que imbuído de belas intenções, deveria, num exercício de humildade, despir-se dos pré-conceitos, não para, necessariamente, se transformar em seguidor assíduo dos folhetins televisivos, mas para entender em todas as suas sutis nuances, o que se vê por esta janela.

domingo, 7 de outubro de 2012

VENTOS RODRIGUIANOS



Nelson é um daqueles autores cuja obra é atemporal, apesar do específico no olhar para seus temas.
Talvez, seja uma boa hora para trazê-lo para as salas de aula e rever seu desenho do nosso comportamento moral. Tenho percebido cada vez mais claro, um estreitamento carregado de valores arcaicos nos conceitos dos jovens. Uma dualidade muito semelhante a que dominava o universo descrito por Nelson, tem feito, de uma triste maneira, parte da percepção e atitude da sociedade de hoje.
É verdade que o movimento, às vezes mais dilatado, às vezes mais recolhido, dos códigos morais, é cíclico, agregando um ou outro dado da contemporeanidade, mas não é por isso que a reprodução, ou pior, o arremedo mal feito, de valores ultrapassados devem seguir livres de críticas e aprofundamentos.
É verdade, também, que estamos vivendo um momento de passagem, de transição, onde o que conhecíamos como certo, como o caminho para relações sociais mais justas e igualitárias, se desmancha sob nossos olhos e os rumos seguidos não conseguem suprir o equilíbrio necessário, sem haver, ao menos por enquanto, qualquer utopia que o substitua.
O estremecer dos conceitos  que vinham de um mundo polarizado e que tornava “fácil” o posicionamento social e econômico ,se reflete na prática das relações pessoais e nos contornos que damos ao exercício da cidadania.
Apresentar, ou reintroduzir, Nelson Rodriguez no debate, fazendo-o meio para o entendimento dos costumes de uma sociedade que prima pela hipocrisia moral, certamente abrirá o horizonte para o reconhecimento das consequências de tais práticas e suas verdadeiras origens.